Un nou sirventes ses tardar

Nota geral Detetado por W. Paden1, o caso destas duas composições é diferente dos restantes recolhidos nesta base de dados: trata-se aqui de um trovador extra-peninsular seguindo um modelo galego-português anterior. O contexto para este contrafactum é claro, já que Bonifaci Calvo viveu longos anos na corte castelhana de Afonso X, tendo mesmo composto pelo menos duas cantigas em galego-português. Não admira assim que conhecesse relativamente bem a lírica peninsular, o que torna muito plausível que tenha tomado como modelo para este seu «novo sirventês» (novo e inovador, até porque trilingue) uma cantiga de amor de João Soares Somesso: como nota Paden, para além do esquema métrico igual, o sirventês, embora num esquema rimático diferente (aababbc em vez de abbacca da cantiga original) retoma exatamente as mesmas rimas na sua primeira estrofe (-ar, -ei, -er), mantendo ainda os verbos fazer e dizer em posição de rima.
Deve acrescentar-se, no entanto, que esta hipótese parte da possível discrepância cronológica entre Bonifaci Calvo e João Soares Somesso, um trovador galego-português que parece ter estado ativo na primeira metade do século XIII, muito antes, pois, da estadia do genovês na corte castelhana. No entanto, se tivermos em conta a recente hipótese alternativa de identificação do autor sugerida por Souto Cabo (que o identifica como o galego João Soares de Fornelos, documentado entre 1223 e 1257 – vide nota biográfica do trovador) estes dados poderão ser revistos, já que não seria impossível que ambos tivessem coincidido na corte do rei sábio (e o sirventês pode ser datado, com alguma segurança, pelo contexto político a que alude, de 1254).

Para o texto de Bonifaci Calvo, a edição base seguida foi a de Bertoni2.
Referências bibliográficas
1 Kayserling, Meyer (1971), História dos judeus em Portugal, S. Paulo, Livraria Pioneira Editora
2 Árias Freixedo, Xosé (2004), “E ja quites son los Mans. Nota paleográfica sobre o v. 4 da cantiga B 454 de D. Garcia Mendiz d'Eixo”, Revista Galega de Filoloxía, 5, Aceder à página Web

Contrafactum

João Soares Somesso

Nom me poss'eu, senhor, salvar
que muito bem nom desejei
haver de vós; mais salvar-m'-ei
que nom cuidei end'acabar
mais do que vos quero dizer:
cuidei-vos, senhor, a veer.
Atanto bem houve em cuidar!

E dig'esto por me guardar
d'ũa cousa que vos direi:
nem cuidedes que al cuidei
de vós, mia senhor, a gãar,
senom que podesse viver
na terra vosc'; e Deus poder
me leix'haver d'i sempr'estar.

E dê-me poder de negar
sempr'a mui gram coita que hei
por vós aas gentes que sei
que punham em adevinhar
fazenda d'hom', ena saber.
E os que esto vam fazer,
Deu'los leix'ende mal achar.

E Deu'los leix'assi ficar
com'eu, senhor, sem vós fiquei,
u vos vi ir, e nom ousei
ir convosco, e de pesar
houvera por end'a morrer:
tam grave me foi de sofrer
de m'haver de vós a quitar!

Modelo

Bonifaci Calvo
Un nou sirventés ses tardar
vueilh al rei de Castela far,
car no.m sembla ni pes ni crei
qu'el aia cor de guerreiar
Navars ni l'aragonés rei;
mas pos dig n'aurai çò que dei,
el faç'o que quiser fazer.

Mas ouço já muitos dizer
que el nom los quer cometer
si nom de menaças, e quem
quer de guerr'honrado seer,
sei eu mui bem que lhi covém
de meter i cuidad'e sem,
cuer e còrs, aver et amis.

Per qu'oi ja diz au rei, se pris
vuet avoir de ce qu'a empris,
que il guerrei sens menacier,
que rien no mont', au mien avis;
que ja per voir oï contier
que el puet tost au champ trover
li doi rei, se talent en a.

E se el aora non fa
vezer en la terra de la
sa tenda e son confalon
a lo rei de Navarr'e a
çò sozer, lo rei d'Aragon,
a caniar averan razon
tal que solon de lui ben dir.

E comenzon a dire ja
que mais quer lo reis de Leon
caçar d'austor ò de falcon
qu'ausberc ni sobreseinh vestir.